sexta-feira, 30 de setembro de 2011

História e cultura indígena

Lá vem o Amarelão!
(Por Daniel Munduruku)
 
Desde algum tempo se diz que no Rio Grande do Norte não há mais indígenas. E também já faz tempo que disseminava esta informação durante minhas palestras para professores porque confiava nos dados fornecidos pelo órgão oficial e outros institutos. Até brincava com o fato das pessoas sempre imaginarem que um dos únicos estados brasileiros que não tem a presença de indígenas é o Rio Grande do Sul. A maioria das pessoas acreditam que lá – por conta da colonização européia forte e excludente – foram exterminados todos os indígenas. Não foi bem assim a história. De qualquer forma este sempre foi o imaginário popular.
Depois de algum tempo mudei a tônica de minha fala ao referir-me ao tema. Na verdade passei a incluir a palavra “supostamente” quando me referia à questão. Deixava subentendido que havia possibilidade de existir sim algum povo ainda “ocultado” em função das disputas de terra.
Os povos indígenas do nordeste foram os primeiros a serem “descobertos” pelos europeus. Por conta disso foram perseguidos e exterminados ao longo do processo colonizador. Quem fosse pego definindo-se como “índio” era fatalmente detonado da convivência social. Em função disso muitos grupos foram dispersados e os poucos que se mantinham vivos tinham que se “civilizar” para serem aceitos socialmente. Com isso acabavam esquecendo a própria língua, suas histórias, suas memórias ancestrais, seus rituais, cantos sagrados e crenças.
O tempo passou e o que parecia ter sido perdido no passado longínquo mostrou-se atual. Grupos inteiros estão buscando resgatar suas identidades esquecidas num movimento sociológico muito interessante e consistente. Estes grupos – povos ressurgidos, povos resistentes, para citar algumas denominações – passaram a reivindicar seus direitos históricos. Afinal, foram vítimas de uma história muito mal contada.
Estou dizendo isso porque há alguns dias atrás, enquanto participava do Encontro da Diversidade, um mega evento organizado pela Secretaria da Identidade e Diversidade (SID) do Ministério da Cultura[i], conheci Maria Ivoneide. Quem é ela? É uma indígena do Rio Grande do Norte. Ali estava a prova da existência de um povo antes negado. Ivoneide chegou-se a mim, apresentou-se. Disse que me conhecia. Fiquei lisonjeado. Argui algumas questões e fiquei sabendo que há mais de 10 anos estão pleiteando o reconhecimento de seu povo junto aos órgãos competentes. Alguns avanços já aconteceram. Nada vultoso. Um começo.
Descobri, então, que o nome de seu povo é Amarelão. Fiquei curioso. Por que este nome? A mim parecia uma invencionice. Não disse isso a ela. Apenas especulei. Ela explicou-me que o nome é oriundo de uma antiga tradição que lhes foi contada por seus velhos avós. Ela contou, então, uma história.
Segundo o costume dos antigos, os homens da comunidade – quando a noite se fazia alta – saíam floresta adentro para buscar o sol. Ficavam nessa função a noite toda e quando o dia se avizinhava voltavam e anunciavam para toda a comunidade: Lá vem o Amarelão! Lá vem o Amarelão!
Era uma referência ao sol que, àquela hora, já mostrava sua pujança.
Fiquei fascinado! Era uma história que tem tudo a ver com o pensamento mítico indígena. Senti que Ivoneide ficou feliz em me contar. Entendi o nome. É assim mesmo que os indígenas dão nomes às coisas e a si mesmos.
Ela ainda me confidenciou que antropólogos explicam o nome dizendo tratar-se de doença que descoloria a pele dos infectados. Nós dois rimos. É uma explicação racional de quem tenta explicar o inexplicável! Típico do ocidental!
O Povo Amarelão entrou no meu repertório. Rio Grande do Norte tem um povo. São cinco comunidades. Aproximadamente mil pessoas. A sociedade brasileira pode entender que não são “índios verdadeiros”. Não importa. O Amarelão (sol) sabe. Isso é que vale!
 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

História do Quilombo Mesquita (Ocidental - Goiás)

        Muito antes de Brasília, próximo a Santa Luzia, hoje Luziânia GO, havia uma fazenda chamada Mesquita e seu proprietário já em final de vida resolveu doar parte das terras para três escravas da Fazenda Mesquita, há mais de 200 anos. Daí surgiu o povoado, a partir da construção das primeiras casas onde o filho de um casava-se com o filho do outro e construía sua casa ao lado da casa do pai e assim formou-se o povoado que durante muitos anos permaneceram isolados vivendo de maneira tradicional onde tudo era produzido pela comunidade e indo a Luziânia somente para vender seus produtos e comprar o que não podiam produzir, vivendo assim até meados da década de setenta, quando começou a ocupação da região próxima ao povoado, Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás, vivendo assim eles cultivam suas tradições e costumes, onde tinha no marmelo sua principal e mais tradicional fonte de recursos externos.
       Hoje os 800 quilombolas que fazem parte dos cerca de 3.000 habitantes do povoado conseguiram recentemente seu reconhecimento como área de remanescente de quilombo. Distante apenas 8 km da Cidade Ocidental, 300 famílias quilombolas cultivam marmelo, goiaba, laranja, cana de açúcar, mandioca e contam também, com uma pequena indústria artesanal de marmelada e goiabada. No artesanato produzem caixinhas, biscoitos e tapetes, que são comercializados em feiras. 
        A cultura do marmelo na comunidade Mesquita, vem do século XVIII, as primeiras mudas do marmelo (Cydonia oblonga) foram trazidas de Portugal para o Brasil e os boiadeiros trouxeram ao interior de Goiás ao cruzar os sertões. 
        A história da marmelada na cultural da comunidade ainda está sendo pesquisada pelos historiadores. Sabe-se que a tradição foi trazida por três escravas libertas, vindas de Portugal trazendo a receita. Seus descendentes seguiram a fabricação artesanal da marmelada e a comunidade ainda hoje preserva herança econômica, histórica e cultural. As festas são comemoradas com a dança Catira, dança tradicional de Goiás.
    

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Luiza Mahin - Líder da revolta dos Malês

A descrição de Luiza Mahin é escassa, despertando, assim, a curiosidade dessa africana de etnia mina-jeje que participou de uma das maiores rebeliões negras e muçulmanas — a Revolta dos Malês, em 1835.


Sobre o ano de nascimento de Luiza Mahin, não dá para definir. Ela teria vindo para o Brasil embarcada no Forte de El-Mina, ou São Jorge da Mina, localizado no antigo reino de Daomé. Os escravizados enviados para lá eram, em geral, prisioneiros de guerra ou capturados na região de Biad-Es-Sudan — em grande maioria praticantes do islamismo.

Outro dado interessante é que o Mahin do sobrenome dela, na verdade, é referente à sua descendência da etnia mahi — povo iorubá, também de Daomé. E outra informação não confirmada é que ela poderia ser uma princesa, por isso o grau de formação política que tinha.A descrição física de Luiza Mahin é comum em qualquer fonte de informação: negra, baixa, magra e bonita; de personalidade forte, solidária, mas um tanto sofrida. 

Profissionalmente, era vendedora de quitutes e teria obtido a liberdade em 1812. Essa data é colocada como referência de seu nascimento, mas sem documentos oficiais para confirmação.Religiosamente, Luiza era muçulmana, negando-se sistematicamente a ser submetida aos ritos católicos. Era letrada em árabe e lia o Alcorão, sendo, inclusive, responsável pela disseminação das palavras do profeta Maomé entre os negros não convertidos.

Unida com um grupo de mais de 600 pessoas, participou da organização da frustrada Revolta dos Malês, de 1835. Na madrugada do dia 25 de janeiro, após meses de arregimentação e planejamento, pretendiam instalar em Salvador um governo teocrático inspirado no Islã.

 O evento tinha motivação nas jihads — guerras santas —, que, simultaneamente, na África, visavam a destituição de governantes coniventes com a escravidão e, do ponto de vista islâmico, de infiéis.

A estratégia ruiu como um castelo de cartas, ao ser delatado ou relatado por Guilhermina, outra personagem polêmica: há quem diga que ela fez isso sob tortura; outros, que ela teria procurado o marido, que, sendo um dos participantes da organização, ausentava-se sempre à noite, despertando seu ciúme; e outros ainda dizem que ela teria procurado o juiz de paz de Salvador — pois devia favores a ele — e, de posse da informação, foi retribuir. E uma nova versão responsabiliza um marceneiro afro-brasileiro de ter denunciado o grupo.

Enfim, os historiadores são unânimes em dizer que a Revolta dos Malês seria fatalmente derrotada, pois não contava com o apoio de toda a população negra, já que os organizadores buscaram apenas os convertidos ao Islã e determinadas etnias africanas. 

Os excluídos, temerosos de um governo negro, mas islâmico, imaginaram que seriam inclusive perseguidos pelos vitoriosos pela adesão ao catolicismo ou às religiões de matriz africana.O certo é que Luiza Mahin foi surpreendida com seu grupo pela força policial, e, obrigados a se lançarem em combate sem o elemento-surpresa, foram derrotados. 

Ela e outras lideranças conseguiram escapar da perseguição, e Luiza partiu para o Rio de Janeiro, deixando Luis Gama, com apenas 5 anos, aos cuidados de seu pai verdadeiro.

O destino de Luiza Mahin é apenas sugerido. Há rumores de que tenha participado de outros movimentos de insurreição na capital do Império e que, dessa vez capturada, foi detida e deportada para a África. 

O próprio Luis Gama tentou por toda a vida ter informações do destino de sua mãe, mas sem sucesso.



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Heróis de todo mundo: Machado de Assis

Propaganda Caixa: Machado de Assis

CAIXA TIRA DO AR PROPAGANDA 
QUE RETRATA MACHADO DE ASSIS 
COMO BRANCO
A caixa veiculou o seguinte comunicado:

A Caixa Econômica Federal informa que suspendeu a veiculação de sua última peça publicitária, a qual teve como personagem o escritor Machado de Assis. O banco pede desculpas a toda a população e, em especial, aos movimentos ligados às causas raciais, por não ter caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com a sua origem racial.

A CAIXA reafirma que, nos seus 150 anos de existência, sempre buscou retratar, em suas peças publicitárias, toda a diversidade racial que caracteriza o nosso país. Esta política pode ser reconhecida em muitas das ações de comunicação, algumas realizadas em parceria e com o apoio dos movimentos sociais e da Secretaria de Política e Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) do Governo Federal.

A CAIXA nasceu coma missão de ser o banco de todos, e jamais fez distinção entre pobres, ricos, brancos, negros, índios, homens, mulheres, jovens, idosos ou qualquer outra diferença social ou racial.

(In: siteWWW.uol.com.br 20/09/2011)

domingo, 18 de setembro de 2011

Tem gente... com fome!


TEM GENTE COM FOME
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu


(Solano Trindade)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Música Afrobrasileira


Mãe África

(Clara Nunes)

No sertão, mãe que me criou
Leite seu nunca me serviu
Preta Bá foi que amamentou
Filho meu, filho do meu filho


No sertão, mãe preta me ensinou
Tudo aqui nós que construiu
Filho meu, tu tem sangue Nagô
Como tem todo esse Brasil


Lelê ô lelê ô lelê ô lalá
Lelê ô lelê ô lelê ô lalá
Lelê ô lelê ô lelê ô lalá
Lelê ô lelê ô lelê ô lalá


Oiê, dos meus irmãos de Angola África
Oiê, do tempo do quilombo África
Oiê, pra Moçambique-Congo África
Oiê, para a nação bangu África


Pelo bastão de Xangô
E o caxangá de Oxalá
Filho Brasil pede a bênção Mãe África
Pelo bastão de Xangô
E o caxangá de Oxalá
Filho Brasil pede a bênção Mãe África

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Visite:


Hereros Angola - Fotografias de Sérgio Guerra


De 14/09 a 23/10, de terça a domingo, das 09h às 18h30, Museu Nacional 

Angola traz à capital federal 110 fotos em tamanhos diversos (incluindo plotagens em grandes dimensões), resultado de criteriosa seleção dentre um universo de mais de 30.000 imagens colhidas nas províncias do Namibe e Cunene. A mostra revela um amplo painel da vida, das atividades e dos costumes dos povos Hereros, que vivem espalhados entre Angola, Namíbia e Botsuana, e são compostos por diversos grupos: Mukubais, Muhimbas, Muhakaonas, Mudimbas, etc. A exposição reúne, ainda, roupas, adereços, utensílios diversos e um documentário sobre essa etnia. Um dos destaques mais charmosos da exposição é a holografia Vikuit 3M, onde uma mulher da etnia Muhakaona recepciona e apresenta a mostra ao público.

Entrada franca. Classificação indicativa: livre. Informações: 33255220 / 6234

domingo, 4 de setembro de 2011

Os Munduruku



Os Munduruku

( Formigas Gigantes )

Conta a história do Brasil que os Munduruku
formavam um povo muito poderoso e guerreiro. 
Sua fama de caçadores de cabeça corria por todo o estado 
do Pará e do Mato Grosso.

O ruído que faziam com os pés quando saíam em grupo para espedições de caça e pesca, ou para a guerra, conferiu-lhes o apelido de "formigas grandes" (tradução da palavra "munduruku"), que fazia tremer os inimigos, que saíam em desabalada carreira para fugir.

Eram tambem conhecidos como "caras-pretas", pois tinham o costume de tatuar as faces de preto. Sua valentia era tamanha que participaram de várias revoltas populares no Estado do Pará e chegaram mesmo a ter cidades inteiras sob seu domínio.

É claro que as autoridades não gostavam disso e mandavam tropas militares para impedir os avanços dos Munduruku. Netas batalhas os "Caras-Pretas" quase sempre saíam vitoriosos, pois conheciam melhor a região.

Assim, os donos do poder continuaram a enviar tropas cada ves mais numerosas, e numa dessas batalhas os Munduruku finalmente acabaram vencidos.

Depois disso foram "pacificados"pelos "brancos" e se renderam aos encantos do mundo não indígena. Corria o século XVll quando esses índios foram vistos pela primeira vez...



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Árvore do Esquecimento



Banzo



Ó árvore do esquecimento;
Símbolo de todo o meu tormento.
Por que nascestes à beira mar?
Por que nascestes?
Cruzei os mares sem te ver, meu Benin;
Fui arrancado do teu colo, minha mãe-terra;
Quiseram roubar-me as lembranças de ti,
Violentaram meu corpo e minha dignidade,
Mas minha alma e meu coração estão intactos?
Deixei-os aí.
Só tocaram o que podiam ver;
O que não podiam, permaneceu puro.
Quantas vezes quis te reencontrar, chão pátrio;
Terra dos meus ancestrais, lar dos meus pais,
Para aonde retorno todas as noites
quando o corpo descansa.
Em breve estarei aí;
Em breve sentirei os cheiros da África;
Em breve reencontrarei
o meu coração e a minha alma;


O meu espírito fugirá para aí.
Despeço-me do corpo sofrido, nesta noite.
Vou romper com a dor de existir distante da vida.
Quero banhar-me nos teus rios, meu Benin;
Quero ver o sorriso do meu povo.
Estou decidido a ser eternamente livre.
Já posso ver teus braços abertos
à minha espera...
A viagem mais desejada, enfim, se inicia.
Parto feliz de volta ao lar;
De volta à vida;
Corro pro teu colo,
Pro teu abraço.
Corro para as minhas lembranças.
Corro pra ti, Benin.


 (Cleber Menezes)


CLEBER WILLAM ANTUNES DE MENEZES: Professor e bacharel em História (UERJ), pós-graduado em História Contemporânea (UFF). Leciona na rede pública estadual (RJ) e municipal (Cabo Frio) e na rede privada. 


         Conta-se que havia no Benin uma árvore, próxima do local de embarque dos negros que, a partir de então, seriam escravizados, chamada "árvore do esquecimento". Antes do embarque, cada escravo era obrigado a dar 9 voltas (homem) e 7 voltas (mulher), ao redor dessa árvore. Foi a partir dessa imagem que nasceu esse poema.
        
         O título, "Banzo", é uma referência ao estado da alma, marcado por um sentimento de entristecimento tão profundo, que levava alguns negros à morte. A personagem do poema opta por voltar ao Benin, ainda que só espiritualmente. Por isso, se lança num banzo sem volta.

“A ciência é como o tronco de um baobá, que uma única pessoa não pode abraçar.”
(Provérbio Africano)