sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Nossas raízes africanas (parte 1)

Cadeira de Balanço



E Oxalá nos criou

         - Vô, quem somos? De onde viemos? - perguntou Bete, de supetão, enquanto o avô Luís temperava um peixe para o almoço.
         - Nossa, Bete, que perguntas mais existenciais! O que anda passando agora por sua cabecinha?
         - Existenciais? O que é isso?
         - Oxalá, meu pai! Eu e minha língua comprida! Esqueci que você é uma metralhadora de perguntas e isso aqui não vai ter mais fim!
          Então, vovô, o senhor vê se fala a minha língua e responda as minhas perguntas: Quem somos? De onde viemos?
         - Calma, minha princesa nagô! Você tem a vida inteira pela frente para descobrir isso. Mas, me diga, o que você quer saber exatamente? Quem somos nós, o povo negro, os brasileiros? Ou quem somos nós, a humanidade inteira? De onde viemos nós, os negros, ou como surgiu a humanidade inteira?
         - E tem diferença, vovô? Nós, o povo negro, não fazemos parte da humanidade?
         - Nossa! Hoje vou precisar recorrer os orixás. Você está fazendo perguntas muito difíceis... Sim, querida, claro que nós, o povo negro, fazemos parte da humanidade inteira! Algumas pesquisas científicas afirmam que o ser humano nasceu na África e depois ganhou o mundo, mas isso é uma longa história; eu prefiro contar para você como Oxalá criou os homens.
         - Oxalá? Não foi Deus que nos criou? Ai, vovô, depois sou eu que faço perguntas difíceis... mas eu acho que é o senhor que só dá respostas difíceis!
         - Quietinha, silêncio e preste muita atenção, porque história de orixá é coisa séria. Precisa ouvir concentrada, como se deve ouvir toda boa história.
         - Tudo começou na África negra, onde nasceram os smeus e os seus ancestrais. São muitos povos, que falam muitas línguas, que têm diferentes religiões, muitos deuses, costumes muito diferentes, tradições muito antigas. Hoje o continente africano é um mundo, cada pedaço daquele continente, tão rico e tão belo e ao mesmo tempo tão sofrido, é um pedaço do mundo.
         - Vô, como é a África?
         - Na África existem desertos; há florestas com muitas árvores e com poucas também; há grandes montanhas, lingas praias, rios enormes como o Nilo e o rio Congo. Há leões, girafas, elefantes, camelos; há pirâmides onde foram enterrados reis poderosos, chamados faraós; há diamante, petróleo. Há povos de origem européia, asiática; há guerras sangrentas, gente que acredita num deus chamado Alá, gente que acredita em vários deuses. Existem escritores brilhantes, que escrevem em língua portuguesa, como o Mia Couto... Enfim, se eu ficar relatando tudo o que existe nesse imenso continente, a gente não vai terminar nunca.
         - Nossa, vô, quantas coisas! Há muito o que se aprender sobre a África, suas histórias, seus povos, os lugares de lá, os animais... Mas você não me respondeu ainda...
         - Calma, criança! Eu vou lhe contar um mitos dos iorubás, povos da região da Nigéria, que fica na África. Eles vieram como escravos para o continente americano pra trabalhar e produzir riquezas para os colonizadores, para os donos de escravos, durante os quase quatrocentros anos que a escravidão aqui durou.
         - Eu não gosto de lembrar desse tempo, vovô. É triste demais saber que nosso povo foi escravizado...
         - Mas não foram só os negros africanos e seus descendentes que foram escravizados, Bete. Os índios, que eram donos de tudo isso aqui, também foram.
         - Os índios também, vovô? Eu não sabia...
         - Sim, os indígenas e até mesmo o branco pobre viviam como escravos nessa terra. Foi um tempo longo e difícil, minha netinha. Mas vamos falar dos orixás... Você sabe o que são orixás, não sabe?
         - Sei, sim, o senhor já me ensinou: São dos deuses dos povos negros africanos e, hoje, no Brasil, eles são as divindades do Candomblé.
         - Isso mesmo, o candomblé é uma das religiões negras do Brasil. Há muitos orixás no Candomblé e em outras religiões afro-brasileiras. Eles se parecem com os humanos: ficam alegres e tristes, lutam por aquilo que desejam, às vezes ganham, às vezes perdem. Têm qualidades e defeitos, sentem raiva e amor, são bondosos, mas podem ser maus também: tudo depende dos humanos, que precisam fazer suas obrigações, cultuá-los como devem ser cultuados. Cada orixá tem um jeito de ser louvado, cada um exige um ritual, uma cerimônia. Eles também podem assumir muitas faces. Por exemplo, existe Iemanjá nova e velha, guerreira e boa mãe e muitas outras. Cada uma aprecia uma forma de culto, exige um tipo de dança, de vestimenta, de alimento, de cores. E para saber tudo isso é preciso entender os mitos.
         -Ah, vô! Foi bom o senhor falar nisso. Outro dia, aquele chato do irmão da Rita, o Rubens, viu um despacho na encruzilhada e ficou dizendo que aquilo era coisa do diabo! Eu expliquei para ele que não era, que eu não sabia o que era realmente, mas que aquilo deveria ser trabalho pra Exu abrir caminhos.
         -Estou orgulhoso de você, Bete! Cada dia você aprende mais sobre a nossa religião. Exu não tem nada a ver com o diabo. As pessoas que não conhecem o Candomblé acham que é isso. Exu é um grande mensageiro e guardião dos caminhos que nos levam até os orixás. Sem ele, nós, humanos, não poderíamos entrar em contato com os deuses. É por isso que antes de fazer qualquer ritual no Candomblé pede-se Agô, ou seja, licença pra Exu. Exu está presente em todos os rituais, para qualquer orixá.
         - Mas por que, vovô? Como ele ficou assim, tão importante?
         - Como eu disse, os mitos explicam tudo isso. Mas você não está com fome?
         - Tô sim, vovô, e esse peixe com dendê está tão perfumado!
         -É, Bete, com exceção de Oxalá, minha comida é pra santo nenhum botar defeito!
         - Oxalá não gosta de dendê, vovô?
         -Gosta não, Bete. E também não pode comer sal nem tomar vinho. Comida de Oxalá é arroz e mel. Mas isso é uma outra história... Vamos almoçar?
         - E o mito dos iorubás, vovô?
         - É mesmo! Ah, Fica pra depois do almoço, porque a fome que estou sentindo agora é tão grande quanto o CONTINENTE AFRICANO...

(Autoria desconhecida)

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