segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Mães D´Água

Yèyé significa mãe, em yoruba; yèyé omó ejá[1], mãe cujos filhos são peixes; mãe d´água – ou Iemanjá. Mito africano, reverenciado em quase todo o mundo, Iemanjá nasceu negra, mas foi embranquecendo, na esteira do mimetismo dos negros escravizados com a cultura de seus dominadores. 
Mães D´Água – Yèyé Omó Ejá  promoveu um encontro entre Alaíde Costa, Daúde, Luciana Mello, Margareth Menezes, Mart´nália, Paula Lima e Rosa Marya Colin, que, sob a regência do maestro Ângelo Rafael Fonseca, executaram um repertório composto por canções que saúdam a rainha das águas. 
Como linha-guia do concerto, os sete mais conhecidos arquétipos da iyabá (feminino de orixá) das águas.
O MITO – Reza a mitologia yoruba que o(a) dono(a) do mar é Olokun – deus masculino em alguns países africanos, feminino em outros. Yemojá (yèyé + omó + ejá) é saudada como odò (rio) ìyá (mãe) pelo povo Egbá (subgrupo dos Yoruba da Nigéria), de onde ambas as divindades são originárias. Mas o mito correu mundo, e Yemojá instalou-se em lagos doces e salgados, enseadas, quebra-mares e junções entre rio e mar, assumindo diferentes formas, etnias, vestes, nomes, temperamentos, poderes.
Numa das mais recorrentes versões da lenda africana, Yemojá é considerada a mãe de todas as divindades yorubas. Nascida da união de Obatalá (o Céu) com Odudua (Terrestre), desposa o irmão, Aganju, com quem tem um filho, Orungã. A representação africana de Édipo apaixona-se pela mãe, que, ao fugir de sua perseguição, cai de costas e morre. Seu corpo dilata-se. Dos grandes seios brotam duas correntes de água, que formam um grande lago; do ventre rompido, nascem os deuses e deusas.
Celebrada em vários países, notadamente nos da Diáspora africana, Yemojá (Yemojá/ Iemojá) é quase sempre representada como uma divindade branca, sendo chamada, também, de Yemayá (Yemaya) e de Iyemanjá (Yemanjá/Iemanjá), como é mais conhecida no Brasil. Uma das poucas nações que assumem a etnia original da iyabá é Cuba. Na ilha de Fidel, Iemanjá é negra, governa os mares, usa as cores azul e branca, assume o nome cristão de la Virgen de la Regla e é a padroeira dos portos de Havana.
BRASIL – Em nosso País, Iemanjá também é considerada a rainha do mar, mas sua representação simbólica é predominantemente branca. É festejada em vários estados, mas as datas diferem de um para outro. No Rio de Janeiro, por exemplo, o culto ocorre em 31 de dezembro, na passagem de ano, quando os devotos oferecem presentes à iyabá, na esperança de que ela carregue os problemas para o fundo do mar e faça emergirem dias melhores.
Na Bahia, a celebração ocorre em 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Candeias, uma das santas católicas com as quais a divindade africana foi camuflada, para a sobrevivência do culto. Além de Nossa Senhora de Candeias, Iemanjá foi também sincretizada com a Virgem Maria, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora da Piedade. Entre as oferendas que a vaidosa iyabá mais gosta estão espelhos, pentes, flores, sabonetes e perfumes.
O ESPETÁCULO – Sob a direção artística de Fábio Espírito Santo e regência do Maestro Ângelo Rafael Fonseca, o concerto Mães D´Água – Yèyé Omó Ejá exaltava as qualidades das sete representações mais conhecidas de Iemanjá, por meio do cancioneiro popular brasileiro, reunindo uma gama de compositores que vão de Dorival Caymmi a Lenine, passando por Vinícius de Moraes, e sete grandes intérpretes negras do Brasil, de diferente estilos e gerações.
Reunidas em blocos temáticos, solando ou em dueto, as intérpretes enfocaram a iyabá (o mito, a mulher); e sua morada (os mananciais), uma e outra sob ameaçada de extinção. Mas o mimetismo entre divas e divindades não é linear, ou óbvio. Estando expresso nas canções, nos “climas” visuais (iluminação, figurino, adereços…) e em vídeos, que exibirem ritos ligados a Iemanjá e trechos de uma entrevista com uma mãe de santo, filha de Iemanjá.
[1] Encontra-se yèyé omó ejá grafado, ainda, como yèyé omo ejá; yeyê omo ejá; yeyé omó ejá ou ainda yeye omo ejá.
Os arquétipos
1. YEMOYO (Awoyó/ Yemowô/ Iemowô/ Iyemoyo/ Yemuo/ Yá Ori/ Ayio/ Bosá/ Odo).
É a Yemanjá mais velha da terra de Egbado. Seu fundamento está no ori (representação do inconsciente humano), podendo curar doenças “da cabeça”. Veste verde-claro e suas contas são brancas e em tom cristal. Na África, é a mulher mais velha de Oxalá (criador do homem). Usa os trajes mais ricos e protege-se com sete anáguas para guerrear e defender seus filhos. Vive no mar, repousa na lagoa, come carneiro e, quando passeia, usa as jóias de Olokum (rei dos mares) e coroa-se com Oxumaré (deus do arco-íris).
2. OGUNTÉ (Ogunte).
Sob este nome, é a mulher de Ogum (Ògún Alagbedé / Ogum Alay Bebé), orixá da guerra, e mãe de Ogum Akorô e Oxóssi. Vive perto das praias, no encontro das águas com as pedras. Veste branco, azul-marinho, branco-cristal, ou verde e branco. Vive nos recifes próximos da praia e é a guardiã de Olokum. Amazona terrível, traz, pendurados na cintura, um facão e outros instrumentos de ferro de Ogum. É severa, rancorosa, violenta. Detesta pato e adora carneiro.
3. YEWA (Ewa / Euá / Tuman/ Aynu/ Iewa/ Yemaya Maylewo / Maleleo/ Maiyelewo).
Yewa é, na verdade, o nome de um rio africano, paralelo ao rio Ògún, freqüentemente confundido, em algumas lendas, com a rainha das águas. E de acordo com essas versões, a iyabá Iemanjá vive no meio do oceano, no lugar de encontro das sete correntes oceânicas. Como Oxum (deusa do amor, da fecundação), tem relação com feitiçarias. É tímida, reservada, e incomoda-se quando alguém toca o rosto de sua iaô (iniciada), retirando-se imediatamente da festa.
4. ASABA (Assabá/ Saba/ Sabá/ Asdgba/ Soba).
Aquela cujo olhar é insustentável. Altiva, rabugenta, voluntariosa e dada a feitiçarias, escuta apenas virando-se de costas ou de perfil. Mulher de Orunmilá (ou Ifá, testemunha do destino), foi por ele expulsa, por ter usado, em sua ausência, seus instrumentos de adivinhação. Usa uma corrente de prata no tornozelo e manca de uma perna, devido a uma luta com Exu (mensageiro dos orixás). Tem afinidade com Nanã (orixá das chuvas), representa o fundo do mar, está sempre fiando algodão e veste branco.
5. YAMASSÊ (Iamassê/ Iya Masemale/ Iamasse/ Akura/ Akurá/ Akuara/ Ataramogba/ Iyáku).
Mãe de Xangô (deus andrógino, senhor do trovão e da justiça) e esposa de Oranian (rei da cidade de Ifé, Nigéria), foi quem cuidou de Oxumaré. Vive nas espumas do mar, cobre-se de lodo e algas marinhas, e, apesar de muito rica, é pouco vaidosa. Adora carneiro e é muito festejada durante as festas consagradas a Xangô. Suas contas são branco-leitosas, com rajadas em vermelho e azul, sendo cultuada nos rituais de cura da mortalidade infantil.
6. OLOSSÁ (Olossa/ Apara).
Olossá nomeia uma lagoa africana, na qual deságuam os rios Yewa e Ògún. E à semelhança do arquétipo Yewa, é associada à iyabá Iemanjá. Nesta versão do mito, a divindade africana vive na água doce, na confluência de dois rios, onde se encontra com sua irmã Oxum. Muito feminina e vaidosa, ela dança alegremente e com bons modos, cuida dos doentes e prepara remédios. Come com Oxum e Nanã. Veste verde-claro e suas contas são branco cristal.
7. YASESSU (Asesu/ Asèssu/ Assessu /Sesu / Sessu /Susure).
Voluntariosa, séria e respeitável, é a mensageira de Olokum. Vive em águas agitadas e sujas; esquece o que se lhe pede e põe-se a contar, meticulosamente, as penas do pato que lhe foi sacrificado. Caso erre os cálculos, recomeça a operação, que se prolonga indefinidamente. Ligada à gestação. Veste branco e verde-água e suas contas são em branco-cristal.

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